Espetáculo teatral Essências continua neste final de semana: veja crítica
Nossas ancestralidades, nossos avós, os rios, e as veias da terra. Esses parentes nós vemos como coisas a parte, mas não estão separados, eles também são o que somos, estão lá e aqui dentro. O corpo é a terra, tem os sais minerais, e todo um ecossistema de plantar, de colher, de construir, regar e irrigar. As montanhas, as grutas, os rios e mares, as rochas e nossas duras cabeças. (Foto: Rafaelle Rane).
Neste espetáculo buscamos relacionar o dentro e o fora, as essências pessoais e os elementos que nos formam.
🎟️ INFORMAÇÕES
Dias 17 e 18 de dezembro, às 20 horas.
Meia: R$ 20
Inteira: R$ 40
Endereço: CENTRO CULTURAL NACIONAL - Teatro Preqaria, Bairro Canaã, Rua Aleixo Lanza, N° 41.
FICHA TÉCNICA
Direção: João Valadares
Dramaturgia: Coletiva
Elenco:
Anna Oliveira
Felipe Gontijo
Iasmin Duarte
Letícia Cley
Matheus Carvalho
Musse Chamon
Nathan Brits
Ranielle Flor
Sheila Oliveira
Figurinos: Anna Oliveira
Costureira: Maria Hilda Ferreira
Iluminação: João Valadares
Téc. de Luz e Som: Pedro Drummont, Felipe Gontijo e Nathan Brits
Design Gráfico: Felipe Gontijo
Mídias Sociais: Letícia Cley e Iasmin Duarte
Assessoria de Imprensa: João Valadares
Fotografia: Rafaelly Rane e Pedro Dumont
Realização: Escola Livre de Artes & Preqaria Cia. de Teatro
Reflexões sobre “Essências”
Cláudio Diniz - Historiador
A Escola Livre de Artes acertou mais uma vez. O espetáculo Essências, criação coletiva da turma do curso de formação profissional em teatro da Preqaria Cia de Teatro, é um convite à reflexão sobre a profundidade do ser. O jogo da memória e a busca de compreensão das identidades assinala o horizonte de ideias formadoras da concepção estética desse espetáculo.
A peça é um aprofundamento na temática identitária já explorada em Céu Constelado (2022). Se em Céu constelado, a questão histórica da ancestralidade foi o mote, em Essências, a passagem do “nós” para o “eu”, na minha leitura, é o problema central. As consequências dessa transformação revelam-se no decorrer de uma narrativa segura e bem estruturada. Nesse sentido, a direção de João Valadares é fundamental para definir o andamento da peça e garantir a verossimilhança do texto.
O teatro pós-dramático explora o acontecimento e estabelece uma conexão entre aqueles que executam a ação e aqueles que observam o jogo. A justaposição especular das arquibancadas que formam o cenário em Essências permite que o expectador adentre com facilidade no jogo cênico. Em certos momentos, o público parece protagonizar o espetáculo. Forma-se uma relação intimista que interioriza o texto e permite a identificação com a proposta estética do jogo. A apropriação deliberada de meios e formas múltiplas rompe com padrões usuais e propõe novos modos e conceitos na montagem do espetáculo. É aqui que a Preqaria Cia. de Teatro revela sua filiação a personalidades do teatro contemporâneo como revela sua filiação a personalidades do teatro contemporâneo como Bertold Brecht, Jerzy Grotowski, Hans-Thies Lehmann ou Eugênio Barba.
Os atores, formandos da Escola Livre de Artes da Preqária, captaram muito bem a ideia da transição de uma época de comunhão e partilha para um tempo de individualismo e solidão. A abertura da peça apresenta uma dança tribal e ritualística que evolui para momentos de egoísmos narcisistas. Assistimos estupefatos à passagem de uma primavera em flor para um inverno de saque e sangue.
O vazio e a fluidez revelados nas cenas que seguem colocam em evidência a existência vaga e sem sentido. A partir daí as personagens mergulham no seu vazio existencial. Como Nietzsche já havia enunciado, “se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você”. Quer dizer, a contemplação do abismo leva à ruína, à angústia, ao vazio e à morte. É o abismo que devora o indivíduo que o contempla e se entrega a ele. O preço da individualização radical é a melancolia que caracteriza nossa modernidade líquida.
A crítica social surge de forma sutil no espetáculo. Em certa altura, uma personagem revela que, apesar de sua aparência exterior, carrega um rio poluído em seu espírito. O rio poluído revela a condição efêmera da sociedade de aparências e seu descaso com as minorias fragilizadas. Tudo isso de forma sutil e sem apelos a lágrimas ou engajamentos desnecessários.
O resultado é o sufocamento. “Eu não consigo respirar”, vai dizer outra personagem. A angústia, a melancolia, a solidão e a ausência, numa paráfrase a Jorge Luis Borges, “cercam-nos como a corda à garganta. O mar ao que se afunda.” Se um dia já fomos um bando, agora estabelecemos uma solidão em grupo. Estamos sós e ponto. Tudo é líquido, inclusive o amor.
Contudo, não há que se pensar que o novo espetáculo da Preqária é um desfile de mazelas sociais e tragédias pessoais. Isso seria de uma ingenuidade gritante. Essências é a denúncia de um mundo caduco. Certamente, todos estão taciturnos, como Drumond já alertava, “mas nutrem grandes esperanças”. A crítica ao narcisismo de nosso tempo tem uma função pedagógica. Ela procura resgatar valores fundados na defesa de uma humanidade mais conectada àquilo que realmente importa. O corpo, a terra, a natureza, a comunhão, a fraternidade, o amor, precisam ter importância. O “nós” precisa ser essencial. O outro deve ser a medida de nossas essências. Precisamos alcançar o outro para compreender a nós mesmos. O convite está feito.
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